Gazeta Mercantil
08/11/2006
Editorial
Pensando a saúde pública brasileira

Não é que o governo destine pouco a essa área; o problema é de gestão. Quando o presidente Lula disse que a saúde pública brasileira é quase de Primeiro Mundo, ele não estava tão longe da verdade (quem tem dúvidas é só assistir a qualquer filme canadense que mostre um hospital da rede pública do país, começando pelo maravilhoso "As invasões Bárbaras"). O que não ficou claro na fala presidencial é que não é a saúde pública brasileira que é boa, mas a saúde pública de vários países do Primeiro Mundo é que é ruim, burocratizada e por isso ineficiente.
Também é verdade que o custo da medicina vai tomando proporções gigantescas em todo o mundo e por isso os problemas em pagar estas contas não são exclusividade brasileira, mas fazem parte da realidade de países tão ricos quanto os Estados Unidos, a Alemanha, a Itália ou a França.
O que acontece no planeta é ótimo para as pessoas, mas representa uma soma de fatores perversos para qualquer governo. Por conta dos avanços espantosos da medicina nas últimas décadas, as pessoas não morrem mais com a facilidade do passado, o que se reflete na idade média da população mundial. O problema é que uma longevidade maior quer dizer também custos maiores para o Estado, já que as drogas e equipamentos de última geração custam bem mais caro e as pessoas, vivendo mais, usam mais a rede pública de saúde, tomando medicamentos e fazendo exames por períodos inimagináveis até poucos anos atrás.
Esta ciranda compromete as políticas públicas na área da saúde porque a verdade é que a estrutura do sistema, em praticamente todos os países, ainda está baseada nos princípios de bem-estar social adotados pelas políticas de previdência logo após a Segunda Guerra mundial. O drama é que as condições socioeconômicas vigentes durante os anos de 1950 não são mais a realidade e o novo cenário, por ser individualmente muito mais longo, onera as contas dos governos, criando um quadro explosivo em função do aumento quase que irrefreável dos gastos com a medicina moderna.
O Brasil não é exceção à regra. Aqui estas verdades são tão cruéis quanto em qualquer outro lugar do planeta, só que com duas agravantes: nossa capacidade de custear estes aumentos é muito menor que a dos países ricos e nossa população é maior que a da maioria destas nações, sendo que, para piorar as coisas, temos um grande número de pessoas vivendo na linha de pobreza.
Em função das más condições de atendimento na rede pública de saúde, o Brasil desenvolveu, a partir dos anos 1970, um curioso e eficiente segmento de saúde privada, destinado a complementar a saúde pública, tanto em nível de atendimento, como de custeio. Na primeira ponta está a maioria dos hospitais, laboratórios, médicos e paramédicos em atividade no País, que, mesmo estando na iniciativa privada, atendem basicamente à saúde pública; e de outro, os planos de saúde privados, res-ponsáveis pelo custeio de parte importante do total das despesas médico-hospitalares nacionais. Esta cadeia costuma trabalhar com mais eficiência e com custos menores do que os do governo, o que lhe permite atender, proporcionalmente, mais gente e com melhor qualidade do que a média da rede pública.
A resposta para o problema se chama gestão do negócio. Não é que o governo brasileiro destine pouco para a área de saúde. Ao contrário, esta é a área que recebe mais recursos orçamentários. O problema é de administração dos recursos. Uma parte imensa do dinheiro sequer chega nas pontas, se perdendo nos meandros da burocracia, da ineficiência e da corrupção.
A forma de se quebrar isto é um choque de gestão, tomando por base a produtividade, os custos e os procedimentos operacionais dos prestadores de serviços e de controle das despesas dos planos de saúde privados. O que precisa acontecer é uma profunda reformulação das prioridades com os gastos. Uma revolução na gestão dos recursos do setor público se for o caso, inclusive, aumentando as parcerias com a iniciativa privada, pela terceirização de serviços de atendimento em todas as áreas da saúde.
A rede de saúde pública brasileira tem alguns dos melhores hospitais, corpos clínicos e centros de pesquisa da América Latina. O que falta é dar a estas instituições a capacidade de aumentar sua atuação, além de servir de apoio para a atuação de outros operadores menos sofisticados do sistema.
A proposta não é a privatização da saúde pública. Isto não funciona. Saúde pública é assunto de Estado e não pode ser delegado. Mas uma interação mais eficiente entre o governo e a iniciativa privada seria o começo da mudança.