Um estudo feito pelo Ministério da Saúde põe em xeque a crença de que usuários de planos de saúde estão mais protegidos e por isso vivem mais do que a população em geral. O trabalho revela que a taxa de mortalidade do brasileiro é muito semelhante à que é apresentada pela população atendida por planos. No caso da população negra, os dados são ainda mais intrigantes: a mortalidade dos negros de 40 a 69 anos com planos de saúde é maior do que a apresentada pela população brasileira negra da mesma faixa etária.
"Planos de saúde não estão fazendo a diferença que era esperada", avalia a coordenadora do estudo, Maria de Fátima Marinho de Souza, da Secretaria de Vigilância em Saúde. O trabalho foi feito a partir do cruzamento de dados de 2004 do Sistema de Informação de Mortalidade (Sim) e do Sistema de Informação de Beneficiários, um cadastro da Agência Nacional de Saúde Suplementar. No estudo, foram usados apenas os registros considerados inquestionáveis sobre a população atendida pelos planos de saúde. Maria de Fátima acredita que por isso o número de mortes no grupo tenha sido maior do que o que foi contabilizado. "Mesmo assim, o trabalho, nunca feito antes no País, traça um panorama do que está ocorrendo nesta área. E mostra que ter um plano de saúde não traz a proteção que era esperada."
Um dos dados mais significativos é a curva de mortalidade entre diversas faixas etárias, divididas por raça/cor. As diferenças estão muito mais entre brancos e negros (grupo que reúne pretos e pardos). "A trajetória das curvas entre brancos com e sem planos de saúde é bem semelhante. Esperávamos que na faixa etária entre 30 e 59 anos houvesse uma diferenciação maior, com menor número de mortes entre usuários dos planos", afirma. A expectativa não é infundada. Fátima explica que é justamente nesta faixa que medidas de prevenção trazem mais impacto na curva de mortalidade.
Além de não trazer reflexos positivos nos números gerais de mortalidade, o atendimento em planos de saúde não consegue reverter algumas tendências , como era de se esperar. É o caso, por exemplo, do câncer de mama. Por uma série de razões, o câncer de mama afeta mais mulheres de classes média e alta - em tese, aquelas atendidas pelos planos de saúde. O trabalho mostra que, entre beneficiadas pelos planos, os índices de mortes pela doença também foram superiores. "O número maior de casos não surpreende. Mas, se tais mulheres tivessem acesso a um bom serviço, as taxas de morte deveriam ter caído", afirma Fátima.
O presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), Arlindo Almeida, questiona os resultados da pesquisa. "Os números do ministério não são confiáveis. Basta ver o quanto de gente que nasce e morre no País sem ser registrado", afirmou. Ele argumenta ainda que a superioridade do atendimento em planos de saúde é reconhecida pelo próprio governo. "Tanto é que vários servidores públicos têm planos, oferecidos pelo próprio governo", argumentou.
O presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Fausto Pereira dos Santos, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que somente se manifestaria sobre a pesquisa depois de analisar os dados com sua equipe técnica.
O estudo mostra que, além de uma atuação abaixo do esperado, planos de saúde reproduzem as desigualdades da sociedade brasileira. Hoje, boa parte da população é beneficiada por planos de empresas. Quanto mais graduado for o funcionário, melhor será seu plano. Os trabalhadores com menor escolaridade geralmente têm acesso a serviços mais simples, com listas reduzidas de hospitais ou de médicos.
Para Fátima, essa diferença explica em parte por que o índice de mortalidade entre usuários negros de planos de saúde é mais alto do que o do negros em geral. "Uma série de trabalhos mostra que a população negra tem rendimentos menores, menor escolaridade. Também tem acesso a planos de pior qualidade", observa. "Mas o fato de ter um plano gera uma falsa sensação de segurança nesse grupo."

Fonte: O Estado de S.Paulo
18/12/2006 - Lígia Formenti