O governo do Rio Grande do Sul está vivendo uma nova fase da disputa judicial pelo fornecimento de remédios não-disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O Estado acumula 20 mil ações envolvendo medicamentos e a despesa com as ordens judiciais saltou de R$ 11 milhões em 2005 para R$ 30 milhões no ano passado. Esse valor já corresponde a 25% do orçamento total da Secretaria de Saúde com o fornecimento de medicamentos. Essa, no entanto, não é a pior parte do problema para o Estado: dois terços das ordens judiciais já ocorrem por meio de bloqueio de dinheiro na conta única do Estado.
As ordens judiciais de bloqueio passaram de R$ 9 milhões em 2005 para R$ 22 milhões em 2006, enquanto o fornecimento direto de medicamentos somou R$ 8 milhões em 2006. As decisões ainda são uma peculiaridade gaúcha, mas podem chegar a outros Estados, já que o bloqueio de conta foi mantido em várias decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo o governo gaúcho, os bloqueios desorganizam as finanças públicas e ainda podem abrir margem a fraudes.
A Procuradoria Geral do Estado (PGE) montou um grupo especial para contestar as liminares e acabou encontrando casos suspeitos, denunciados ao Ministério Público. Segundo sua coordenadora, a procuradora Marlise Fischer Gehrers, em um dos casos investigados depois da formação do grupo descobriu-se que um "doente" preferiu, ao invés de comprar o medicamento, trocar de carro diante do dinheiro na mão. Outro paciente conseguiu bloquear algumas dezenas de milhares de reais do governo gaúcho, foi para a Europa e nunca mais voltou. Houve ainda um grupo que recebia comissão das farmácias que forneciam os medicamentos obtidos judicialmente.
De acordo com o coordenador da assessoria jurídica da Secretaria da Saúde, Bruno Naldorf, são comuns casos de pacientes que retiram medicamentos e voltam ao juiz alegando que ele não foi fornecido. Alguns tratamentos financiados judicialmente ultrapassam o valor de R$ 100 mil. No caso dos tratamentos oncológicos o valor médio é de R$ 30 mil.
Diante da jurisprudência consolidada nos tribunais superiores autorizando o fornecimento de medicamentos, previstos ou não na lista regular do SUS, o governo gaúcho se conforma em coibir os abusos e tentar evitar o bloqueio em dinheiro. O grupo especial da PGE utiliza médicos da Secretaria de Saúde para contestar as receitas médicas levadas à Justiça, tentando apontar medicamentos substitutos e convencer os juízes a levar em conta a relação custo/benefício antes de expedir uma ordem judicial.
Para reduzir os bloqueios, a saída foi licitar, em 2005, uma distribuidora privada apenas para entregar os remédios em tempo hábil diante de ordens judiciais de fornecimento. De acordo com Bruno Naldorf, as ordens exigem o fornecimento do medicamento em 72 horas, mas uma compra da secretaria passa por um processo licitatório que leva pelo menos 40 dias. Apesar disso, ultrapassadas as 72 horas, o juiz autoriza o bloqueio. As ordens continuaram porque mesmo a distribuidora não consegue cumprir o prazo, já que há um procedimento administrativo interno mínimo a ser cumprido. Alguns juízes também preferem bloquear o dinheiro de uma vez, por ser mais rápido - o Estado sempre têm saldo em sua conta única, no Banrisul, que em geral tem agência nos fóruns.
Segundo a procuradora Marlise Fischer, o bloqueio ainda é uma característica gaúcha da disputa em torno do fornecimento de medicamentos fora da lista do SUS, mas causou preocupação quando levado ao colégio de procuradores gerais dos Estados. Isso porque as ordens judiciais de fornecimento de remédios são corriqueiras em todo o país, embora adotem outras formas de coerção do poder público, como a imposição de multas. No Rio de Janeiro, são proferidas semanalmente ordens de prisão contra o Secretário de Saúde por descumprimento de decisões judiciais. Em São Paulo, a PGE elaborou em 2005 um projeto de lei para tentar regulamentar a questão. A idéia é tentar compartilhar o prejuízo com a União - em tese responsável por tratamentos mais complexos - e dar mais credibilidade à lista de medicamentos garantidos normalmente pelo SUS.


Fonte: Valor Econômico
12/02/2007 - Legislação & Tributos