Uma célula-tronco quase tão potente quanto as polêmicas embrionárias - e ainda livre de riscos de causar tumores, como ocorre com as adultas - está entusiasmando cientistas que trabalham na área.
A descoberta será divulgada na revista Nature Biotechnology por uma equipe de pesquisadores americanos. Eles conseguiram isolar células-tronco de líquido amniótico com alto potencial de se desenvolver em uma série de tecidos - o grupo chegou inclusive a criar músculos, ossos, vasos sangüíneos, nervos e células hepáticas em laboratório. Em camundongos, as células se diferenciaram em novos neurônios e possibilitaram o restauro de danos no cérebro. A equipe, das faculdades de medicina das universidades Wake Forest e Harvard, também conseguiu criar tecido ósseo nos animais.
O líquido amniótico já era conhecido por conter múltiplas células. Agora, pela primeira vez, foi possível obter dali células-tronco (CTs), provavelmente provenientes do feto que está se desenvolvendo. A partir da análise do fluido retirado em exames de amniocentese (que costumam ser feitos até a 16ª semana de gestação), os pesquisadores extraíram cerca de 1% das chamadas células AFS (sigla em inglês para a CT derivada do líquido amniótico).
"Acreditamos que elas possam representar um estágio intermediário entre as adultas e as embrionárias, uma vez que apresentam marcadores consistentes com os dois tipos de células", afirmou Anthony Atala, que liderou o estudo, em comunicado à imprensa.
Não só a presença dos marcadores, mas o fato de os pesquisadores já terem conseguido diferenciar as AFS em outras células sugere que, em teoria, elas têm uma plasticidade quase tão boa quanto a de células-tronco totalmente indiferenciadas de embriões. Isso lhes dá um potencial terapêutico maior que o de células-tronco adultas, uma vez que têm maior chance de se diferenciar em qualquer tipo de célula. Ao mesmo tempo, se liberam da polêmica acerca da destruição de embriões, o que elimina o problema ético e religioso.
"Se outros pesquisadores conseguirem replicar o experimento e se comprovar que elas têm mesmo a capacidade de se diferenciar em quase qualquer célula, teremos alcançado o melhor dos dois mundos", comenta a geneticista Lygia da Veiga Pereira, que pesquisa o potencial de células-tronco na Universidade de São Paulo (USP). Ela lembra que outros estudos feitos no passado também apresentaram resultados surpreendentes com células de medula óssea, mas até hoje ninguém conseguiu obter o mesmo sucesso.
Entretanto, pondera a também pesquisadora da USP Mayana Zatz, a amniocentese não é um procedimento de rotina. Além de caro, é invasivo. E só costuma ser feito quando há necessidade de investigar a possibilidade de o bebê ter alguma doença genética. "Eu não recomendaria fazermos o exame em larga escala apenas para a retirada de célula-tronco", diz.
Mayana ainda considera que é mais proveitoso obter as células-tronco dos embriões descartados por clínicas de fertilidade. "O procedimento descrito me parece mais antinatural que se usarmos um embrião que iria para o lixo. Agora, se comprovarmos que realmente o líquido amniótico é uma fonte excelente de células-tronco, e a gestante tiver a necessidade de fazer o exame, então podemos aproveitá-lo para coletar as células."
Assim como ocorre hoje com o cordão umbilical, os pesquisadores americanos já estão sugerindo que sejam criados bancos públicos com as células-tronco do líquido amniótico. "Um banco com cerca de 100 mil espécimes poderia abarcar geneticamente 99% da população americana para um eventual transplante", afirma Atala.
Dente de leite
Um estudo brasileiro que deve ser publicado em cerca de dois meses na revista Cell, Tissues and Organs apresenta uma outra fonte possível de células-tronco pluripotentes: a polpa do dente de leite. De acordo com a pesquisadora Irina Kerkis, do Instituto Butantã, essas células expressam marcadores de diferenciação hoje presentes tanto nas células adultas quanto nas embrionárias. Em laboratório, Irina e sua equipe também conseguiram obter neurônios, músculos, cartilagem e ossos. E em camundongos perceberam migração para fígado, rim, baço e cérebro.


Fonte: Jornal de Brasília
08/01/2007
Exterior