Um tratamento experimental pioneiro com células-tronco realizado no Brasil permitiu que 14 portadores de diabetes mellitus tipo 1 ficassem livres de injeções diárias de insulina ou da ingestão de outros medicamentos por meses. Divulgado oficialmente hoje no Journal of American Medical Association, o estudo foi realizado pela Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Universidade Northwestern, em Chicago, nos Estados Unidos.
"É a primeira vez na história que pacientes de diabetes tipo 1 podem viver sem qualquer tratamento e com um nível normal de glicose no sangue", enfatizou Richard Burt, chefe de imunoterapia da Escola de Medicina da Universidade de Northwestern. Quinze pacientes brasileiros entre 14 e 31 anos de idade participaram do experimento entre novembro de 2003 e fevereiro deste ano. Nesse período, 14 deles interromperam o uso de qualquer medicamento para regular os níveis de glicose no organismo: um deles por 35 meses, um por cinco meses, e um terceiro por um mês. Os outros 11 voluntários permanecem livres do uso de injeções de insulina sintética até o momento. Um paciente não respondeu ao tratamento.
Segundo os autores da pesquisa, os resultados preliminares também são animadores ao demonstrar que o procedimento não possui efeitos colaterais recorrentes ou graves. Houve apenas um caso de pneumonia e dois de disfunção hormonal entre os voluntários. "Nossa intenção é continuar o tratamento, mas queremos mudar a idade mínima dos pacientes voluntários. Até agora, só maiores de 12 anos puderam participar", explicou ao Correio o brasileiro Júlio Voltarelli, que lidera a equipe da USP responsável pela pesquisa.
O estudo recebeu aprovação imediata do Comitê de Ética da USP e do Comitê de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde. Segundo Voltarelli, todos os transplantes foram financiados pelo Ministério. Embora o diabetes mellitus tipo1 corresponda a apenas entre 5% a 10% de todos os casos da doença, pode resultar em complicações sérias como cegueira, falência renal, problemas cardíacos e derrame. "Em jovens, há o risco (de o tratamento com células-tronco) prejudicar a fertilidade ou o crescimento. Mas, certamente, os prejuízos do diabetes seriam bem maiores", defendeu o cientista da USP.
Procedimento
O diabetes mellitus tipo 1 ocorre quando o sistema imunológico do indivíduo ataca e destrói as células beta do pâncreas que produzem insulina, o hormônio necessário para regular os níveis de glicose no sangue. Em geral, quando pacientes são diagnosticados com a doença, entre 60% e 80% de suas células beta já foram destruídas. A pesquisa liderada pela equipe da USP buscou diabéticos diagnosticados com a doença até seis semanas antes do início do procedimento. A idéia era que os cientistas pudessem agir a tempo para reprogramar o sistema imunológico do paciente, permitindo que o reservatório de células beta se regenerasse.
De início, os cientistas coletaram células-tronco do sangue dos 15 pacientes. Em seguida, os voluntários foram submetidos a uma quimioterapia a longo prazo para destruir a parte do sistema imunológico que estava atacando o pâncreas. Depois, os cientistas transplantaram as mesmas células-tronco dos paciente, tratadas em laboratório, para reconstruir o sistema imunológico.
O cientista Richard Burt prevê que, no futuro, o transplante de células-tronco para tratamento da diabetes mellitus tipo 1 poderá ocorrer entre parentes. Com isso, diminuirá o risco de que os problemas advindos do diabetes reapareçam no paciente depois do transplante. "Seria um imenso passo adiante", afirmou Burt.


Fonte: Correio Braziliense
11/04/2007 - Mundo