Um alerta feito por organizações não-governamentais prevê que daqui a dois anos o governo não terá mais como manter o programa nacional de Aids.

Motivo: a eficácia do tratamento aumenta a sobrevida dos pacientes, ao mesmo tempo que não pára de crescer o número de infectados por HIV. Pela primeira vez, o Ministério da Saúde gastará este ano R$ 1 bilhão na compra de remédios, o que reacende a discussão sobre a quebra de patentes, o chamado licenciamento compulsório.

O tratamento para a Aids feito no Brasil é referência mundial justamente por distribuir remédios de graça a 170 mil doentes. “A cada ano são 20 mil novos pacientes. Não há orçamento que agüente”, diz o representante das ONGs de Aids no Conselho Nacional de Saúde, José Marcos de Oliveira.

O Brasil tem 600 mil infectados pelo vírus HIV. O aumento do público-alvo do tratamento oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) deixará o próximo governo diante de um dilema: aumentar ainda mais o orçamento, transferindo recursos de outras áreas igualmente ou até mais críticas da saúde pública? Ou reduzir o atendimento gratuito?

A quebra de patentes era defendida pelo ex-diretor do Programa Nacional de DST/Aids Pedro Chequer, que deixou o cargo no último dia 3. Num estudo enviado ao Conselho Nacional de Saúde, no ano passado, Chequer estimou uma economia de US$ 700 milhões (R$ 1,4 bilhão) em cinco anos com o licenciamento compulsório de apenas três remédios importados.

Patente
Mas, no lugar de quebrar patentes, o governo optou por acordos comerciais a preços mais baixos com laboratórios estrangeiros. No caso do norte-americano Abbott, que produz o Kaletra, o acerto reduziu em 46% o custo de cada cápsula.

“Infelizmente não se emitiu a licença compulsória e o país perdeu a oportunidade de ser mais sustentável técnica e economicamente”, disse Chequer.

Ele revela que a pressão do governo dos Estados Unidos, inclusive com ameaças de retaliações, “pesou bastante” no recuo da quebra de patente, que foi anunciada em cerimônia no Palácio do Planalto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Na época, ao selar o acordo no qual o governo se comprometeu a não fazer o licenciamento compulsório do Kaletra até 2011, o então ministro da Saúde Saraiva Felipe informou que o governo economizaria US$ 339,5 milhões (R$ 730 milhões) entre 2006 e 2011. Aproximadamente 23 mil pacientes com Aids recebiam o medicamento no ano passado

Pedro Chequer nega que sua saída esteja relacionada a discordâncias nos rumos do programa. Ele reassumiu cargo na Unaids, o braço da ONU para a prevenção e tratamento da doença, e será o representante da entidade no Panamá.

Para Chequer, com o licenciamento compulsório o país pagaria royalties aos laboratórios estrangeiros e as empresas brasileiras poderiam se apropriar das fórmulas farmacêuticas e produzir genéricos de ponta.

A substituta de Chequer é a pediatra e sanitarista Mariângela Simão, que já era diretora-adjunta desde julho. Ela e Chequer comemoraram a previsão de gastos de R$ 1 bilhão na proposta orçamentária de 2006. O dinheiro, acreditam eles, será suficiente para fornecer remédios aos 170 mil pacientes do SUS.

O problema é o custo dos remédios de última geração. O Kaletra e outros dois medicamentos importados para o coquetel antiaids representam cerca de 70% dos custos do programa. Das 17 fórmulas usadas no coquetel, apenas oito são produzidas no país.

No mês que vem, o Ministério da Saúde terminará levantamento para identificar a capacidade produtiva dos laboratórios brasileiros. A idéia é ver se, do ponto de vista de capacidade instalada, a indústria nacional teria condições de assumir a produção dos remédios importados. Segundo José Marcos de Oliveira, isso não seria problema.

Fonte: Diário de Natal 16/04/2006
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