A realização do I Congresso Brasileiro sobre o Uso Racional de medicamentos em Porto Alegre-RS, no ano de 2005, deu início a uma nova estratégia para a promoção do uso racional de medicamentos (URM) no Brasil. A importância desta estratégia foi reconhecida pelo Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária e Organização Panamericana de Saúde/OMS no Brasil, promovendo, em 2007, a realização do II Congresso Brasileiro sobre o Uso Racional de Medicamentos em Florianópolis-SC como um evento institucional, cujo tema foi “Incorporando o uso racional de medicamentos na agenda da saúde do Brasil”. Seguindo esta lógica e, conforme recomendação da Carta de Florianópolis, o III Congresso Brasileiro sobre o Uso Racional de Medicamentos foi realizado de 26 a 30 de outubro de 2009, em Fortaleza-CE, com o tema “Incorporando o uso racional de medicamentos às práticas profissionais em saúde”. Dando continuidade a estas exitosas experiências, realizamos em Salvador, de 12 a 15 de agosto de 2012, o IV Congresso Brasileiro sobre o Uso Racional de Medicamentos (IV CBURM) com o tema “Incorporando o Uso Racional de Medicamentos no contexto da atenção à saúde”, que subsidiou a elaboração de sua programação.

O IV CBURM contou com a participação de 1688 pessoas, sendo 817 profissionais e 871 estudantes. Dentre os profissionais, participaram farmacêuticos, enfermeiros, médicos, odontólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e profissionais das áreas de Ciências Biológicas, Ciências Biomédicas, Ciências da Saúde, Ciências Sociais e da Educação, entre outros. A programação abordou a importância das ações integradas multiprofissionais para promoção do URM, tanto no âmbito hospitalar como na atenção primária à saúde, visando: a segurança do paciente; estratégias educativas em larga escala para o ensino em URM; diferentes modalidades de informação e a importância de que a mesma seja independente como ferramentas seguras para a promoção do URM; iniciativas governamentais com impacto no URM; e a importância da pesquisa e da inovação tecnológica como estratégia para ampliar o acesso a medicamentos no Brasil.

As atividades do pré-congresso foram organizadas em cinco cursos, com enfoques em temas sobre comunicação, estratégias dos produtores, abordagens polêmicas em odontologia, manejo da farmacoterapia em crianças e adesão à farmacoterapia em doenças crônicas. O pré-congresso contou também com nove oficinas que trataram de temas sobre a incorporação do URM no SUS e sua promoção para agentes comunitários de saúde, a importância da gestão e do controle social, bem como temas ligados à formação, tais como: o ensino da farmacologia na perspectiva do URM; experiências exitosas em residências multiprofissionais; e experiências integradoras como o Pró-Saúde? e o PET-Saúde. Abordou, ainda, os problemas de prescrição e a atuação multiprofissional na atenção. Completando estas atividades, foi realizado o III Fórum da Rede Brasileira de Centros de Informação sobre Medicamentos. Nessa edição, os congressistas tiveram a oportunidade de aprofundar esses temas em conversas com os palestrantes intituladas “Acarajé Científico”.

Todas essas atividades objetivaram promover a troca de experiências entre profissionais, gestores, professores e estudantes que atuam nas várias regiões brasileiras e em outros países, de modo a gerar sistemas de cooperação mútua e unir esforços em torno de projetos comuns. Deste rico ambiente de reflexões e discussões, o conjunto dos participantes do IV Congresso Brasileiro sobre Uso Racional de Medicamentos concorda em tornar público as recomendações a seguir, as quais sejam consideradas pelas diferentes entidades e instituições, públicas ou privadas, e, em particular, pelas diferentes instâncias de governo e de gestão do Sistema Único de Saúde e instâncias de seu Controle Social:

1. Que a promoção do URM continue como parte integrante e estratégica das políticas públicas nacionais, enquanto política do Estado Brasileiro, observada a sua característica multiprofissional e inter-setorial;

2. Que haja reconhecimento e apoio formal às ações desenvolvidas pelo Comitê Nacional para Promoção do Uso Racional de Medicamentos e pelas instituições e entidades que o compõe, as quais têm sido essenciais para a construção de uma Política de Saúde que atenda aos interesses do conjunto da população brasileira;

3. A promoção de uma estratégia regional para ancorar o URM nas políticas públicas de saúde nas Américas como, por exemplo, a intensificação da participação do Brasil em redes (DURG-LA);

4. Que seja ampliada a difusão do conhecimento acumulado na experiência do Brasil com a realização das varias edições do Congresso Brasileiro sobre o Uso Racional de Medicamentos, possibilitando maior visibilidade às questões discutidas, compartilhando-as com os países da Região das Américas e colocando o evento numa perspectiva de abordagem regional, realizando alternativamente um evento latino-americano e brasileiro, com apoio de instituições e organizações internacionais;

5. Que o acesso aos medicamentos, como parte da garantia do direito de cidadania, incorpore, nos seus diferentes níveis e condicionantes, a promoção do URM como prática permanente e multiprofissional no contexto da atenção à saúde, tanto no setor público quanto no setor privado;

6. Que a política do URM seja priorizada nas ações desenvolvidas na Atenção Primária à Saúde (APS), entendida como porta de entrada do sistema de saúde e a Estratégia de Saúde da Família como o eixo estruturante deste sistema, considerando neste contexto a estratégia renovada de Atenção Primária de Saúde da OPAS/OMS, que coloca o paciente no centro do cenário da atenção em saúde;

7. O estabelecimento de indicadores para avaliação dos impactos das ações implementadas para a promoção do URM na prática dos serviços de saúde;

8. Que seja ampliado o debate sobre o URM junto às instâncias de controle social em saúde (conselhos e conferências) e outros espaços de interlocução da sociedade;

9. A promoção do URM como tema transversal na formação dos profissionais na área da saúde, utilizando estratégias mais custo-efetivas num país com as dimensões do Brasil;

10. O fortalecimento das experiências já existentes do Pró-saúde, PET-saúde, Estratégia Saúde da Família, NASF, PIBIC, Residências multiprofissionais, definindo de forma mais contundente a aplicação do URM como objeto de aprendizagem;

11. A educação permanente dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) contemplando o tema do URM;

12. A inclusão do farmacêutico na equipe da Estratégia de Saúde da Família com o objetivo de favorecer a educação permanente do ACS e da comunidade sobre URM e dar suporte no atendimento dos pacientes;

13. O incentivo às pesquisas de saúde que abordem o tema URM com propostas interdisciplinares, envolvendo profissionais de saúde dos serviços, educadores e
estudantes da graduação e pós-graduação, aliadas a práticas cotidianas de ensino;

14. A avaliação dos resultados e proposição de formas de continuidade dos cursos de capacitação para o URM e Saúde Baseada em Evidência patrocinados pela Anvisa e Ministério da Saúde;

15. Que sejam estimulados e fomentados a formação e desenvolvimento de Comissões de Farmácia e Terapêutica para tomada de decisão cientificamente embasada nas melhores evidências disponíveis, como estratégia fundamental para o URM em hospitais, serviços de saúde em geral e secretarias municipais e estaduais de saúde. Nesse sentido, recomendasse que o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária empreendam esforços para qualificar, fortalecer e promover a articulação em rede das referidas Comissões de Farmácia e Terapêutica desses serviços estratégicos para a saúde do País;

16. A ampliação dos esforços institucionais para o fortalecimento da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias de Saúde no SUS – Conitec, com vistas a efetivar integralmente suas competências estabelecidas no marco legal, entendendo que é instância fundamental para a incorporação e revisão de tecnologias em saúde no SUS sob a ótica do seu uso racional;

17. A inserção formal dos Centros e Serviços de Informação sobre Medicamentos na Política Nacional de Saúde, necessidade já apontada em vários documentos legais que tratam do uso racional destas tecnologias;

18. A instituição de uma política nacional de assistência toxicológica, que contemple a inserção dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica na Política Nacional de Saúde;

19. Destaca-se a necessidade de geração e difusão de informações isentas, confiáveis, atualizadas e corretas sobre medicamentos, para os profissionais e gestores da saúde e para a população, bem como a adoção de dispositivos legais restritivos, incluindo a possibilidade de proibição da propaganda de medicamentos indutora do consumo irracional, na perspectiva de impactos positivos para a promoção do URM;

20. A busca de mecanismos legais e éticos que impeçam a influência da propaganda de medicamentos nos cenários e estratégias de aprendizagem profissional;

21. Que hospitais, principalmente os públicos e os que recebem incentivos governamentais, impeçam a propaganda da indústria farmacêutica aos estudantes e corpo clínico, bem como a doação de medicamentos, muitas vezes em quantidade insuficiente, para cursos de terapia dentro do hospital;

22. O apoio às políticas direcionadas à internalização, no Brasil, da pesquisa, do desenvolvimento e inovação em saúde, bem como da produção de medicamentos
considerados estratégicos para o país, com fortalecimento da produção pública e dos laboratórios nacionais, do uso do poder de compra do Estado, das parcerias para o desenvolvimento produtivo – Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP´s), a exemplo da ocorrida com o Laboratório Bahiafarma e com transferência de tecnologia, conforme as ações previstas no Plano Brasil Maior;

23. Que o Brasil utilize, de fato, as salvaguardas existentes para garantir que o “direito de patente” não seja impedimento do acesso da população a medicamentos e tecnologias consideradas necessárias e estratégicas, com reforço do instrumento da Anuência Prévia à concessão de patentes para medicamentos e processos farmacêuticos;

24. A definição de estratégias para incluir critérios relacionados ao Interesse Público e Interesse Sanitário para a concessão de registro de medicamentos no País;

25. O estabelecimento de medidas regulatórias para pesquisa, desenvolvimento, formulação e produção de medicamentos para uso em pediatria no país;

26. A incorporação da farmacovigilância, que cumpre importante papel de instrumento para a tomada de decisões relacionadas ao uso de medicamentos nos diferentes níveis de atenção à saúde, como prática profissional e alicerce aos programas e políticas de saúde que atendam a promoção do URM;

27. A produção e divulgação de informações a partir dos dados de eventos adversos a medicamentos;

28. A divulgação do URM como boa prática profissional na odontologia, considerando o cirurgião-dentista como prescritor e profissional de saúde inserido no atendimento multidisciplinar;

29. Aponta-se a necessidade de que, na próxima edição do Congresso Sobre Uso Racional de Medicamentos, haja esforços institucionais para a ampliação da participação de outros atores importantes para a promoção do URM, tais como os gestores, representações dos diferentes segmentos do setor produtivo, representações do setor de mídia e comunicação, usuários e suas representações, operadores do Direito, bem como dos trabalhadores em saúde, entre outros.

Salvador, Bahia, 15 de agosto de 2012, 123º ano da República; 35º ano da publicação da 1ª Lista de Medicamentos Essenciais; 34º ano da Conferência de Alma-Ata?; e 27º ano da Conferência de Nairobi sobre Uso Racional de Medicamentos. Carta aprovada por aclamação no Ato de Encerramento do IV Congresso Brasileiro sobre Uso Racional de Medicamentos.