Jornal de Brasília
14/09/2006
Saúde
Fim à automedicação
Anvisa quer acabar com a publicidade irregular de remédios no País. Consumo sem critérios responde por 16% dos casos de morte por intoxicações, o que preocupa autoridades sanitárias

Apenas metade dos pacientes toma corretamente seus medicamentos. Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) assustam e evidenciam os riscos aos quais estão expostas as pessoas que consomem esses produtos indiscriminadamente. Estatísticas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelam que os medicamentos respondem por 27% das intoxicações no Brasil e que 16% dos casos de morte por intoxicações são causados por medicamentos.
A preocupação das autoridades sanitárias com o fenômeno do consumo de medicamentos sem critério se deve às suas conseqüências nos indicadores de Saúde Pública. Segundo Maria José Delgado, gerente de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a automedicação preocupa as autoridades em saúde não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Muitas vezes esse tipo de consumo é incentivado pela propaganda irregular dos medicamentos. "Uma das determinações da OMS para o triênio 2004-2007, é que os países membros se comprometam a tomar medidas para mudar o atual panorama do uso inadequado de medicamentos", diz a gerente da Anvisa.
Desde 1998, o Brasil mantém a Política Nacional de Medicamentos, e a Política de Assistência Farmacêutica, esta publicada em 2004. Ambas existem para garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais. A recente criação, pelo Ministério da Saúde, do Comitê Nacional para Uso Racional de Medicamentos reforça essa política. O comitê terá como atribuição, propor políticas públicas e ações relacionadas à promoção do uso racional de medicamentos. Ao mesmo tempo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desenvolve várias medidas para combater a propaganda abusiva de medicamentos.
Critérios
Outro instrumento legal para tratar da questão é a Resolução da Anvisa de nº 102, do ano 2000. A Resolução 102 estabelece critérios para as propagandas de medicamentos, como, por exemplo, a obrigatoriedade da divulgação das contra-indicações e da advertência obrigatória ao final das mensagens publicitárias.
No final de agosto, a Anvisa e as federações dos Médicos e dos Farmacêuticos promoveram em Brasília o Seminário Nacional sobre Propaganda e Uso Racional de Medicamentos. Na ocasião, discutiram-se assuntos como uma possível cooperação entre a Anvisa, as federações e os Conselhos Federais de Medicina e Farmácia para desenvolver parcerias em favor do uso racional de medicamentos e debater o impacto que a propaganda desses produtos exerce na atividade desses profissionais e nos hábitos da população.
DIVULGAÇÃO/AGÊNCIA SAÚDE/Bernardo Rebelo
Tomar medicamento sem a prescrição de um profissional pode não resolver o problema do paciente e provocar a morte
Tarja preta sem publicidade
A legislação brasileira não permite a propaganda de medicamentos de venda sob prescrição médica, os de tarja preta e vermelha, para o público; apenas para os médicos, odontólogos e farmacêuticos. Para a população em geral, permite-se a publicidade dos medicamentos isentos de prescrição, como analgésicos, vitaminas e alguns antiinflamatórios. A propaganda desses artigos também deve trazer informações sobre as indicações e as contra-indicações.
Tomar medicamentos sem orientação médica representa um grande risco. O paciente pode não resolver seu problema e, ainda, piorá-lo. Um exemplo disso são as interações medicamentosas, quando um medicamento pode ter seu efeito anulado por outro produto. "O acido acetilsalisílico, presente em alguns analgésicos, resolve o problema da dor de cabeça, mas pode provocar reações como hemorragias no estômago", exemplifica Maria Delgado.
Para ela, a indústria de medicamentos influencia a automedicação, pois "vende" doenças como estratégia mercadológica. "Até a menstruação e a menopausa são tratadas como doenças pelo mercado", observa. Um exemplo dessa banalização foi a intensa divulgação dos produtos para disfunção erétil pela grande mídia. Segundo a gerente, a Anvisa teve que proibir a publicidade indireta de medicamentos com essa finalidade, em 2003. "As campanhas veiculadas em horário nobre apresentavam todas as características do medicamento, sem dizer o nome do produto, o que possibilitava a fácil identificação por parte do público", explica. "A legislação brasileira não permite a veiculação de publicidade sobre medicamentos de venda sob prescrição na TV, por exemplo", lembra Maria José Delgado.
Fiscalização
Após o episódio, a "indústria" da disfunção erétil migrou sua tática publicitária para outros espaços, como farmácias e até festas agropecuárias. Como várias empresas produtoras dos estimulantes sexuais também fabricam artigos veterinários, utilizam o mesmo local para marketing de ambos.
Nos últimos três meses, em parceria com a Polícia Civil, a Agência interditou cinco laboratórios clandestinos e um depósito, com cerca de sete toneladas de produtos irregulares apreendidos. Cinco pessoas foram presas em flagrante. As empresas vendiam medicamentos sem registro - prática considerada crime hediondo pelo código penal, com pena prevista de dez a 15 anos de reclusão.
Além da fiscalização, a Anvisa investe em atividades educativas nas escolas fundamentais, de Ensino Médio e nas universidades. Estabelece, também, parcerias com as entidades representativas de médicos e farmacêuticos, que atuam diretamente com a prescrição e comércio de medicamentos. (Agência Saúde)