Jornal de Brasília
17/09/2006
Saúde
É melhor prevenir
Pesquisa revela que uso dos antiinflamatórios Voltaren e Cataflan aumenta em 40% o risco cardíaco

Mais uma surpresa para especialistas em cardiologia e consumidores de antiinflamatórios. Dois anos após a retirada do mercado do Vioxx e um ano depois da suspensão das vendas do Bextra, em função da publicação de estudos que atestavam que o medicamento aumentava os riscos de problemas cardíacos e renais, surge agora, uma nova polêmica.
Novos estudos científicos sobre os efeitos colaterais de antiinflamatórios indicam que remédios amplamente prescritos também aumentam o risco em até 40% de ataques cardíacos, mortes súbitas e derrames. Um deles refere-se particularmente ao diclofenaco, no mercado desde 1988 e vendido sob os nomes comerciais Voltaren e Cataflan, ambos do laboratório Novartis. A empresa, no entanto, garante não ter planos de suspender as vendas, feitas no Brasil facilmente sem receita médica.
Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que irá analisar as evidências científicas de que os antiinflamatórios comuns aumentam o risco de problemas cardíacos antes de decidir se altera sua regulamentação.
A informação foi divulgada pela revista científica Nature, e repercutida na última terça-feira no Journal of the American Medical Association dos Estados Unidos. Foram utilizados 23 estudos e ao todo 1,6 milhão de pessoas participaram do levantamento. No mercado, o diclofenaco é comercializado com os nomes padrões de Voltaren e Cataflan. No Brasil também é vendido como genérico.
Na pesquisa publicada na Nature, os entrevistadores afirmaram que o naproxeno, um medicamento equivalente ao diclofenaco, não eleva nem diminui os riscos do coração. Em nota divulgada à imprensa, a Novartis, fabricante do Voltaren e Cataflan, contesta a pesquisa e diz que o estudo realizado não foi aceito pelos órgãos reguladores de medicamentos, e que por isso não serve de base para o fabricante. O laboratório afirma ainda que outros levantamentos não indicam alteração de risco cardíaco em relação ao uso do diclofenaco.
Copaíba
Estudo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, revela que a resina da copaíba, árvore típica na Amazônia e no Centro-Oeste?, tem duas vezes mais poder antiinflamatório que o diclofenaco de sódio (presente em medicamentos como Voltaren e Biofenac). Especialistas tentam comprovar a importância medicinal do óleo extraído da planta para a cura de doenças.
De acordo com Mônica Ramos, autora da pesquisa, a descoberta é importante porque pode substituir um componente sintético de ação antiinflamatória por um fitoterápico (medicamento à base de plantas). Segundo ela, o trabalho iniciou-se por meio do óleo convencional, conhecido como óleo de copaíba, que foi fracionado em duas partes: volátil (líquida, com componentes que podem evaporar) e resinosa (consistência mais fluida que o mel). A ação antiinflamatória foi identificada na fração volátil através de microcápsulas.
Riscos confirmados
O diclofenaco é um antiinflamatório não-esteroidal, inibidor da enzima ciclooxigenase-2. O cardiologista e professor adjunto de Cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César de Jesus, confirma a pesquisa publicada na Nature e diz que, como qualquer medicamento, a droga apresenta efeitos colaterais freqüentemente relacionados com o aparelho gastrointestinal. "Há vários trabalhos que mostram que o diclofenaco aumenta o risco de enfarte do miocárdio."
O diclofenaco, quando indicado de maneira correta, é um potente antiinflamatório e analgésico utilizado para doenças articulares e musculares. Jesus diz que a droga em princípio não deve ser utilizada em portadores de doenças coronarianas, como angina estável, passado de enfarte do miocárdio. Ele considera o diclofenaco um dos remédios mais usados no mundo em conseqüência de ser um eficiente analgésico. "Não necessariamente é o mais receitado."
Existe uma série de antiinflamatórios de diclofenaco, como o rocecoxib e o celecoxib, entre outros. Jesus diz que há uma gama de substitutos da droga no Brasil, como a aspirina ou paracetamol, que devem ser utilizados após avaliação médica. Ele ressalta que medicamento só pode ser utilizado após orientação médica. "Os cardiopatas são orientados a não utilizar esse remédio ou somente utilizá-lo sob estrita orientação médica e por curto período de tempo."
O cardiologista afirma que a automedicação e o uso indiscriminado são problemas graves associados a vários medicamentos, como o diclofenaco. Para ele, a venda de medicamentos sem receita médica é um perigo que começa no balcão da farmácia.
Segundo o ortopedista Lindomar Guimarães Oliveira, o uso do diclofenado na ortopedia é de curto prazo, no máximo de 15 dias. É um medicamento antigo e seguro utilizado para dores articulares da coluna. Ele diz que atualmente existem vários antiinflamatórios seguros em relação aos efeitos colaterais.
Segundo o médico, quando o paciente informa que é hipertenso ou tem problemas do coração, evita-se o uso do antiinflamatório. "Neste caso, indica-se outro medicamento de acordo com a lesão apresentada".
Especialistas pedem cautela
Especialistas em cardiologia receberam a notícia de que o diclofenaco pode aumentar riscos cardiovasculares com doses de cautela e surpresa. "Até então esse gênero de medicamento era mais associado a outros tipos de efeitos colaterais, como problemas gastrointestinais", diz o cardiologista Marcos Benchimol. "Aumento de riscos de ataque cardíaco não eram de conhecimento público", acrescenta.
Diretor da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Roberto Esporcatte diz que não há motivos para pânico entre os pacientes. No entanto, pede cuidado com os excessos: "É importante que o uso dos antiinflamatórios seja supervisionado pelos médicos e que os pacientes façam uma revisão periódica no que diz respeito aos efeitos colaterais. Quanto menos antiinflamatórios, melhor".
Segundo o médico, a princípio antiinflamatórios "mais recentes", como o Cataflam, teriam, na teoria, menos chances de efeitos colaterais. Esporcatte lembra também que, mesmo reduzindo-se o uso desses remédios, há pacientes que realmente necessitam deles: "Há pacientes idosos com problemas articulares que precisam muito".
Usuários habituais de Cataflam, Luiz Carlos Oliveira e Carmem de Castro Gonçalves admitem que recorrem ao antiinflamatório em casos de dores de garganta e coluna. Há três anos, quando apresentou problemas cardíacos, o empresário, procurou um médico, que disse que o problema poderia estar associado ao uso do diclofenaco. "Na ocasião, ele apenas sugeriu o uso moderado do Cataflan. Da minha parte, não pretendo parar de tomá-lo. Às vezes, quando já sei qual é o problema, nem procuro o médico. Vou lá e já tomo o Cataflan", admite Luiz.
Remédio que teve o potencial de oferecer riscos cardiovasculares comparado aos do diclofenaco pelo estudo publicado no Journal of American Medical Association, o Vioxx pode ter causado mais de 140 mil doenças coronarianas nos EUA de 1999 a 2004. Indicado na época para pacientes com artrite, o medicamento chegou a ser testado também em portadores do mal de Alzheimer. O laboratório foi processado por alguns usuários.